Nas duas primeiras décadas dos anos 2000, dezenas de filmes vêm propondo a revisão do regime militar instaurado no Brasil entre 1964 e 1985. Por ser foco de interesse constante, cineastas se debruçam sobre o tema a partir de diversas abordagens e perspectivas. Na 45ª edição do Festival de Cinema de Gramado, a trajetória de um político influente, porém não muito conhecido da população, foi registrada no documentário Matheus Schmidt: Um Caso de Amor pelo Brasil. Assinado pela filha dele, Márcia Schmidt, em parceria com Rogério Brasil Ferrari, o longa tem como foco o golpe civil-militar e a ditadura que obscureceram o país por 21 anos. Entretanto, o filme não se restringe a esse período ao buscar as raízes políticas de Schmidt junto a figuras como Luiz Carlos Prestes, João Goulart e Leonel Brizola, além de Getúlio Vargas em seu segundo mandato como presidente a partir de 1950.
Por outro lado, o filme também repercute a atuação contundente do político trabalhista no período de redemocratização, destacando-o como um estadista de visão social, especialmente interessado em temas como desenvolvimento socioeconômico nacional, mobilidade urbana e formação de um pensamento político brasileiro voltado à construção de um projeto de nação. Nesse sentido, é emblemática a abertura do longa. Em pleno Congresso Nacional, em 1998, Matheus assume o microfone do plenário para denunciar a então escandalosa liberação de verbas orçamentárias por acordo entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e a Câmara de Deputados em troca de apoio na votação de pautas decisivas para a FHC. O presidente da Mesa Diretora à época? Michel Temer.
Quase 20 anos depois, a grita de políticos decentes como Schmidt segue a mesma, pois também seguem os mesmos aqueles que são eleitos não para fazer política, mas para atuar como mestres da politicagem, como doutores do crime. Surge justamente daí a necessidade constante de filmes capazes de mapear o Brasil histórica e politicamente, separando eficazes agentes públicos daqueles que tomam o poder de assalto sem projeto de República, de Estado nem mesmo de governo, porém com pautas pessoais bastante estruturadas – e nitidamente desvinculadas de interesses sociais.
Ainda assim, Matheus Schmidt: Um Caso de Amor pelo Brasil apresenta um caráter fortemente celebratório que o aproxima mais de um memorial audiovisual afetivo do que da documentarização que busca o contraditório para melhor dimensionar seus temas e personagens. Nesse sentido, é válido o exemplo de O Dia que Durou 21 Anos (2012), de Camilo e Flávio Tavares, sendo este último um dos principais entrevistados de Márcia e Rogério. No longa dos Tavares, a equipe realizadora questiona os mais variados segmentos políticos para tentar elucidar as duas décadas de escuridão que eclipsaram o país. Ouvir o outro lado da questão é sempre saudável, mesmo que não se concorde com nada que venha de lá.
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