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DESARQUIVANDO ALICE GONZAGA

Atualizado: 17 de mar. de 2021

Alice Gonzaga se nega a ser vista como herdeira da Cinédia. Assim, poderia ser considerada o arquivo vivo do cinema brasileiro. Filha de Adhemar Gonzaga, fundador do primeiro grande estúdio cinematográfico do Brasil, inaugurado em 1930, no Rio de Janeiro, Alice é personagem e tema deste documentário essencial que resgata parte da memória da sétima arte no território nacional. Dando destaque ao seu importante trabalho de produção e manutenção de um amplo banco de dados referente a produções fílmicas que datam dos anos 1930 em diante, a cineasta Betse de Paula acompanha Alice nesse retorno às raízes do segmento audiovisual brasileiro para retomar um período cultural desconhecido da maior parte do público.

Com apoio dessa senhora simpática e divertida, Betse apresenta um longa repleto de documentos oriundos do próprio trabalho hercúleo de Alice, que desde os sete anos de idade tem predileção pelo processo de arquivamento de material gráfico. Da paixão infantil pela organização à consolidação de um dos mais importantes arquivos do cinema nacional, o público percorre os trajetos da sétima arte por meio de publicações especializadas, como a revista Cinearte, dirigida por Adhemar, e também a partir de fotografias, panfletos, cartazes, relatórios, anuários, filmes antigos e, claro, muita vivência pessoal.


Portanto, as lembranças de Alice têm papel tão importante quanto a farta documentação pinçada dos arquivos. É por meio de sua fala que descobrimos informações variadas como as diversas vezes em que Adhemar quase faliu, não devido ao amor pela dispendiosa produção cinematográfica, mas sim pela avidez em realizar filmes sob condições adversas em um contexto de estruturação do segmento audiovisual. Dessa problemática surgiram necessidades específicas como importação de equipamentos, formação de atores, instrumentalização de produtores, diretores e montadores, o que gerou orçamentos alargados.


O esforço de produção por parte de Adhemar Gonzaga consolidou a Cinédia como importante pólo na gênese do cinema no Brasil, resultando em produções de valor histórico e cultural como Lábios Sem Beijos (1930), o longa mais antigo realizado no Rio de Janeiro ainda a manter-se íntegro, e Ganga Bruta (1933), ambos de Humberto Mauro, além de Limite (1931), de Mario Peixoto, Alô alô Carnaval (1936), musical do próprio Adhemar marcado pela marchinha Cantores de Rádio, interpretada por Aurora e Carmen Miranda, Bonequinha de Seda (1936), de Oduvaldo Vianna, Onde estás, felicidade? (1939), de Mesquitinha, que lançou atores como Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalves, bem como O Ébrio (1946), de Gilda de Abreu, o maior sucesso de público da Cinédia.


Adhemar investia muito no cinema, e muitas vezes não tinha retorno financeiro com seus lançamentos. Porém, sempre manteve a realização de filmes em andamento. Foi durante uma discussão entre pai e filha sobre a real importância dos longas que Adhemar situou Alice sobre o impacto das obras da Cinédia na cultura brasileira, o que a levou a assumir definitivamente o arquivo do estúdio. Entretanto, boa parte dos filmes originais, à base de nitrato, foi consumida pelo fogo na histórica queima oficial do acervo cinematográfico do estúdio em 1986 (veja o convite para esse evento bizarro evento aqui). A decisão foi tomada por Alice no intuito de evitar o perigo de incêndio inesperado devido à química das antigas películas, fato que ainda hoje se configura como um de seus maiores arrependimentos.


Felizmente, os longas haviam sido previamente copiados em acetato pela equipe do arquivo, o que evitou perdas maiores. De toda forma, tanto a queima controlada de filmes quanto o valoroso e constante trabalho de Alice em seu banco de dados labiríntico destacam a importância da preservação da memória de um estúdio de cinema que registrou, entre 1930 e 1951, os costumes sociais e os perfis culturais de um país que ainda luta tanto pela produção de arte quanto pela sua preservação.


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