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danilofantinel

BROOKLYN 45

Atualizado: 8 de mai. de 2023

A guerra realmente acaba quando alguém declara a paz? Não para alguns personagens de Brooklyn 45, drama de suspense sobrenatural cujo peso não está no susto dos fantasmas, mas na densidade da natureza humana e no horror histórico da II Guerra Mundial. No longa, que teve premiére international no XIX Fantaspoa, o maior conflito da história já havia sido encerrado quando cinco amigos militares se encontram em Nova York. Nesta época, porém, alguns deles ainda estavam possuídos pelo espírito da guerra.

Reunidos na casa do Coronel Clive Hockstatter (Larry Fessenden), recém-viúvo de Lucy, a interrogadora/torturadora Marla Sheridan (Anne Ramsay), seu marido Bob (Ron E. Rains), e os majores Archibald Stanton (Jeremy Holm) e Paul DiFranco (Ezra Buzzington) são convidados inesperadamente para uma sessão espírita. Hockstatter revela que, após o suicídio de Lucy, tornou-se um homem incrédulo que não vê mais sentido na vida, sobretudo porque sua esposa, antes de se matar, denunciou a presença de vizinhos nazistas no bairro e ninguém deu ouvidos. Nem mesmo ele. Desesperado por uma última tentativa de compreensão de sua tragédia pessoal, Hockstatter quer que os amigos o ajudem a contatar o além em busca da esposa morta. Quando surge uma nova personagem na trama, alterando completamente a situação, todos percebem que daquele lugar não conseguem mais sair. Não por enquanto. O que se passa na sequencia não pode ser dito.


Com um belo roteiro, encadeando ações e reações cada vez mais absurdas entre os personagens, mas completamente plausíveis com a premissa do filme, Brooklyn 45 tem o público na mão dosando suspense, drama e comédia em uma trama que mexe nas feridas abertas da guerra – especialmente no momento atual em que o mundo vê movimentações nazi-fascistas em diversos países.


Se Europa e Estados Unidos acumulam vivências traumáticas daquele período histórico, expor no cinema de forma crua e crítica, ainda que ficcional, os horrores sofridos e cometidos por ambos os lados na matança não deve ser fácil. No filme, isso ocorre na base do discurso, oriundo do texto escrito pelo roteirista e diretor Ted Geoghegan em parceria com seu pai, um militar idoso que morreu segundos após revisar o roteiro do filho.

Interpretado por grandes atores, o texto de Geoghegan corta como faca, fere como bala e queima como o fogo, deixando na boca o gosto amargo do sangue. O desconforto cresce quando se entende que o filme se passará quase inteiramente em uma sala de jantar. Na claustrofóbica trama, noções de heróis e vilões surgem borradas, culpas e desculpas jamais se encontram, crimes e castigos tornam-se palavras de ordem, já o rancor e o ódio se escondem entre ironia e sarcasmo. Entre os personagens há tanto espelhamentos de características quanto suas inversões. Em certos momentos, todos os colegas de armas parecem mais ou menos iguais. Em outros, ficam evidentes suas inúmeras diferenças. Após um impasse de vida e morte, a situação insustentável acaba sendo revolvida por quem menos se espera.


Neste filme inteligente e tenso, cujo mal-estar está sempre à espreita, chegamos às bordas do surrealismo quando, em dias de paz, alguns seguem com postura bélica, pensando em guerra, enclausurados em um passado que não morre. Espectral, este pretérito assombra o presente. E são justamente aqueles que vivem assombrados por um passado moribundo os que se tornam mais imóveis, obtusos e imutáveis, vivendo sempre o mesmo ciclo, sempre no mesmo espaço. Ainda que o tempo passe para os outros trazendo novos ares, os saudosistas reacionários estão sempre amarrados ao passado morto-vivo. Assim, há algo de O Anjo Exterminador nesta imobilidade incapacitante sugerida por Geoghegan, paradoxalmente capaz de fazer regredir a humanidade a algo mais tosco, irracional e predatório.



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