A vingança do oprimido assume proporções estarrecedoras em Terceira Guerra Mundial, filme do iraniano Houman Seyyedi exibido no XIX Fantaspoa. Com roteiro surpreendente assinado por Seyyedi em parceria com Arian Vazirdaftari e Azad Jafarian, o longa-metragem desenrola a triste trama de Shakib (Mohsen Tanabandeh, vencedor do prêmio de melhor ator do festival), um sem-teto analfabeto que perdeu o filho e a esposa em um terremoto. Sozinho no mundo, desempregado e com poucos amigos, Shakib faz bicos que pagam mal e que exigem muito. Inesperadamente, se vê trabalhando como faz-tudo em um set de filmagens. Para ele, a primeira impressão do local é das piores. As condições de trabalho são péssimas e respeito quase não há. Sua suposição não apenas se confirma, como a situação se degradada com o passar dos dias, sobretudo com a chegada de sua amante. Prostituta fugitiva de um violento cafetão, ela precisa se juntar ao grupo sem ser descoberta pela equipe de filmagens.
Shakib, o homem calvo à direita na foto
Com olhar crítico não apenas sobre os processos históricos que levam a modos de ser autoritários e a sistemas político-econômicos repressores, sempre controladores dos indivíduos, da sociedade e da cultura, Terceira Guerra Mundial ecoa a própria tirania do fazer cinematográfico, incluindo aqui, justamente, suas faces econômica (na figura do produtor onipotente), política (caso do diretor onipresente) e proletária (mão de obra). No set do filme que está sendo rodado dentro do filme de Seyyedi, quem manda é o poder do dinheiro e o peso da palavra.
Tornados figurantes de última hora no filme de enredo histórico nazista que está sendo rodado no set, Shakib e seus colegas de bico passam à frente das câmeras, encenando prisioneiros da II Guerra Mundial sendo conduzidos à câmara de gás por soldados alemães em um campo de concentração. A cena dá início à sequência de absurdos que faz Terceira Guerra Mundial ser tão impactante. Tratados aos gritos pela equipe de produção do filme dentro do filme, os trabalhadores são tirados de suas posições no set, agrupados e forçados a se despir para vestir figurinos de presos. São enfileirados, empurrados, colocados em cena e preparados para rodar com rapidez, pois tempo é dinheiro e as diárias são caras. O tratamento de choque somente dá um indicativo ficcional do quão violento, arbitrário e desumano foi o tratamento dispensado a judeus, ciganos e homossexuais durante a Grande Guerra, quando, estima-se, cerca de seis milhões de pessoas perderam a vida em campos nazistas de extermínio.
Em Terceira Guerra Mundial, o submisso Shakib acaba se tornando o ator principal do filme sobre os nazistas, o que o coloca em evidência entre as pessoas do set. À luz dos holofotes, torna-se difícil esconder sua amada dos mafiosos que a perseguem e dos colegas de equipe, de modo que sua tragédia pessoal acabará vindo à tona, envolvendo todos em uma espiral cada vez mais kafkaniana, desesperadora, traumática e violenta. Acontecimentos chocantes passam a se dar em sequencia nesta circularidade descendente e venenosa cujo ato final, protagonizado por um vingativo Shakib, levará todos à ruína, ao caos, ao fim.
A XIX edição do Fantaspoa mal começou, mas Terceira Guerra Mundial já passou explodindo a esperança e deixando destroços por todos os lados.
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