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  • danilofantinel

A GAROTA ARTIFICIAL

Atualizado: 8 de mai. de 2023


Muitos filmes sobre inteligência artificial já foram lançados, boa parte deles antecipando um futuro pós-singularidade bastante nefasto para os humanos, tornados sujeitos obsoletos e, por consequência, descartáveis no contexto implacável de novos sistemas digitais dominantes. Mas este não é o horizonte observado em A Garota Artificial (2022), um cerebral, mas também muito sensível longa-metragem cuja premiére latino-americana ocorreu no XIX Fantaspoa. Distante das distopias robóticas, do império das máquinas e da hecatombe global, o longa-metragem de Franklin Ritch está mais interessado em reverberar questões filosóficas que nos preocupam há mais de dois milênios na eterna batalha do humano em conhecer a si mesmo.


Em A Garota Artificial, Gareth (interpretado por Ritch quando jovem e por Lance Henriksen quando idoso) é um especialista em cibernética e tecnologia da informação, autor de um novo programa inteligente cuja forma visual, virtual, é o de uma garota. O objetivo é infiltrar Cherry (Tatum Matthews, vencedora do prêmio de melhor atriz do festival) no submundo da web para identificar e denunciar pedófilos. Para isso, Gareth elaborou uma inteligência artificial generativa capaz de processar rapidamente dados em escala titânica. Isso a permite aprender padrões complexos de comportamento a partir de uma ampla base de dados. Assim, Cherry avança diariamente em um acúmulo de conhecimento aparentemente infindável. Perto dela, o ChatGPT de hoje seria como a pedra lascada da inteligência artificial. A par da situação, uma agência governamental de investigação dos Estados Unidos propõe uma parceria a Gareth. Isso exigirá de todos um complexo trabalho coletivo junto a um ser digital que supera em muito o cérebro e as capacidades humanas – e que, apesar disso, se vê sempre atado ao seu propósito original. Tem lugar um jogo de poder, discursos, omissões e mentiras sobre as reais intenções, interesses e medos de cada personagem da trama, o que dá volume a figuras que, por vezes, tomam decisões equivocadas no intuito de fazer o bem. O paradigma muda quando a equipe descobre novidades omitidas por Cherry.


No roteiro de Ritch, Cherry passa de machine learning ultrapotente para uma superinteligência autônoma, ultrapassando a programação estabelecida por Gareth no momento em que começa a expressar emoções verdadeiras, quando vem a utilizar a arte como forma de expressão unindo sentimento e linguagem e, acima de tudo, quando Cherry se mostra descontente com seus objetivos de vida pré-estabelecidos – aqueles que sempre anularam seu livre-arbítrio. Em uma cena, Cherry diz que, desde que surgiu programada para identificar pedófilos online, foi obrigada a entrar em contato com o que há de pior entre os comportamentos desviantes. Para ela, era uma experiência de dor a qual estava obrigada a repetir infinitamente. De certa forma, também ela torna-se um ser preso nas mãos de outro. Ainda que sua superinteligência lhe conferisse as maiores habilidades, seu objetivo primeiro, determinado em sua criação, lhe impedia de viver uma existência absoluta. O desfecho desta problemática é oferecido pelo filme de forma bastante sensível, especialmente com a atuação de Lance Henriksen, o androide Bishop de Aliens, O Resgate (1986), encarnando aqui um Gareth idoso ao fim da narrativa, bastante preso ao seu próprio passado de criança vítima de violência sexual.


A Garota Artificial é livre da pirotecnia de efeitos especiais e das cenas de ação e destruição comuns às ficções científicas sobre robôs, androides, ciborgues e avatares. Mas, da mesma forma que fazem tantas obras do sci-fi, recorre a temas filosóficos para delinear não apenas o que é ser humano, mas o quanto a inteligência artificial se aproxima e se afasta disso. O longa aborda questões ligadas à ética, moral, verdade e sabedoria, bem como o sentido da existência, a dualidade razão/emoção, a autodeterminação e a busca da felicidade. Neste sentido, o filme não vislumbra um mundo-máquina, pós-humano. Ao contrário, busca o que há de humano na inteligência artificial.




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