Nunca confie em um junkie, adverte Nancy (Chloe Webb) a Sid (Gary Oldman) após levar um fora de um antigo namorado em um pub londrino em 1976, ano em que os dois se conhecem para formar um dos mais loucos casais do rock’n’roll. A cena está em Sid & Nancy, filme de Alex Cox lançado dez anos após o auge do punk, momento em que os Sex Pistols horrorizam o mundo se colocando contra valores burgueses e autoritários, sejam eles políticos, sociais, econômicos ou artísticos.
Entretanto, este contexto importa menos ao longa do que a explosiva relação entre Sid Vicious e Nancy Spungen, que conviveram atribuladamente por cerca de um ano e meio antes de suas mortes, ocorridas em outubro de 1978 (ela, esfaqueada, possivelmente por ele) e fevereiro de 1979 (ele, por overdose). Ainda assim, se a cultura punk se opõe a conservadorismos diversos e à virtuose musical, Sid e Nancy se unem para multiplicar por dois – e para tensionar entre si – alguns dos descontentamentos que moveram uma geração radicalizada por (e desconectada com) um meio histórico-social que não os acolhe.
Assim como o próprio punk, Sid e Nancy representados pelo filme guardam em sua gênese uma rebeldia anárquica raivosa e um poderoso elemento de autodestruição bem observados por Cox, mas que o diretor acaba por diluir em um final feliz romanesco, inadequado. A narrativa tem início em 12 de outubro de 1978, quando a polícia invade o quarto 100 do Hotel Chelsea, em Nova York, onde o roqueiro se encontra drogado e Nancy, morta. Um recuo no tempo leva a trama ao exato momento em que os dois se conhecem na casa de uma amiga em Londres em 1976. Em pouco tempo, ambos seriam aniquilados por escolhas e condutas fatais, algo maquiado no fechamento da cinebiografia.
Distante de explicações didáticas sobre a formação dos Sex Pistols, apesar de ótimas cenas de shows, com performances incendiárias e público convulsionado, o filme acompanha o namoro do casal alternando gradativamente paixão, discussões, excessos químicos e brigas selvagens. Para realizar as sequências, Oldman e Webb entregaram ótimas atuações. Ele apresenta um Sid Vicious instável, variando constantemente entre agressividade, indiferença e sensibilidade agudas. Já a atriz mostra Nancy como uma melancólica controladora, capaz de surtos extremos quando contrariada – algo próximo de Courtney Love, que disputou o papel, mas ficou apenas com uma ponta. Outros atores têm desempenho fraco, como Andrew Schofield, que interpreta Johnny Rotten, personagem tolo desenhado por Cox com descaso constrangedor. Rotten, aliás, detestou o filme e disse que nele apenas o nome “Sid” está correto, sendo o resto pura ficção.
Seja como for, a direção de arte é cuidadosa ao remontar a época de forma sincera, ressaltando estéticas e costumes sem cair na alegoria fantasiosa. Porém, o longa nem sempre articula de forma orgânica os aspectos cômicos e poéticos como consegue fazer com seus teores românticos e policiais. Um exemplo é a cena em que Vicious atira contra a plateia grã-fina do Olympia, em Paris, em 1978, após desconstruir “My Way”, famosa na voz de Frank Sinatra – exatamente como fez no videoclipe divulgado na época em que a música foi gravada. Porém, no longa Vicious também alveja Nancy, caracterizada em um vestido de princesa com uma coroa de espinhos de metal. Morta na plateia, Nancy renasce e sobe as escadas do palco para beijar Sid. O tropeço desastroso é o mesmo que leva Cox a errar feio no final da narrativa, mais uma vez misturando a transcendência do suposto amor eterno com a condescendência ligada a certa glamorização da heroína.
De fato, Sid & Nancy aponta a corrosão provocada pela droga, mas também atenua a tragédia que foi a vida do casal e eufemiza as consequências da dependência química quando dá aos dois um final feliz póstumo e ingênuo. Filmes devem se envolver decisivamente em questões sociais como esta? Não necessariamente, visto que a arte não cumpre função específica. O problema é não fazer isso ao mesmo tempo em que opta pela poética de gosto duvidoso.
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