Na primavera de 1939, ventos nazistas sopram sobre a recém-fundada Eslováquia, parte do antigo Império Austro-Húngaro (1867-1918) que, assim como o mundo, via a ascensão da ideologia assassina que levou o planeta à II Guerra Mundial. No vilarejo de Piargy, perdido nas montanhas, a aversão a judeus já era vocalizada. No entanto, por ali os representantes mais obscenos do patriarcado tinham um alvo preferido e bem próximo: as mulheres locais.
No roteiro de Jana Skorepová e Ivo Trajkov, inspirado pela novela do escritor Frantisek Svantner, a irreverente Julisa (Judit Bárdos), irmã da doce Johanka (Jana Kvantiková), acaba seduzindo Martin (Daniel Fischer), o jovem mercante filho do poderoso Rohac (Attila Mokos). Apesar da idade avançada, Rohac é conhecido como um eficaz conquistador. O homem trai a esposa Rohácka (Lucia Klein Svoboda) constantemente, levando muitas mulheres ao êxtase com facilidade. Assim como todos na comunidade, Rohácka sabe das traições, mas, submetida aos desmandos do incontrolável marido, não tem voz ativa para se manifestar. Ao contrário. A religiosa Rohácka é alvo frequente da fúria do homem, sobretudo quando ele está bêbado.
Após o casamento, Julisa e Martin vão morar com os pais dele, causando a ruptura da protagonista com a irmã Johanka, que é apaixonada por Martin e era a preferida de Rohácka para o casório. Nessa teia de interesses amorosos, sexuais, traição e dor, Julisa passa a ser assediada por Rohac, que despeja sobre ela seu furor sexual. Se em um primeiro momento Julisa repele o velho, aos poucos se sente atraída e realizada pelo sogro. Triste com seu destino, Johanka se refugia com a curandeira Ula (Jana Olhová), uma velha sábia que vê algo de demoníaco na relação entre Julisa, Martin e Rohac. Para ela, o bebê que Julisa espera é fruto do mal, a própria encarnação do anticristo, responsável pelo fim dos tempos. Se Julisa gesta mesmo um filho diabólico, cabe ao espectador descobrir, mas de fato Piargy torna-se o centro de um acontecimento grandioso que punirá a aldeia e todos seus habitantes, menos uma pessoa, que revela a história à cúria eslovaca.
O filme de Ivo Trajkov é profícuo em denunciar os excessos criminosos e a violência doméstica de homens contra as mulheres da casa, incluindo aqui traições, agressões e estupros. Mais do que isso, denuncia a absurda normalidade vivida por uma comunidade em que todos sabem dos abusos cometidos por uns contra os outros, mas que, apesar disso, fingem não saber, fechando olhos, ouvidos e bocas para manter as aparências. Provavelmente por isso o padre local (Péter Nádasdi) visita a casa de Rohac, direcionando a ele críticas pesadas com relação a sua conduta adúltera e violenta, tudo cifrado por meio de salmos que sublinham o quanto o homem pecador, raiz do mal em uma comunidade, pode e deve ser punido. A cena, a melhor do filme, é de uma elegância extrema, e ainda que o dogma religioso possa ser muitas vezes o discurso que leva à clausura da alma, neste caso ele curiosamente se apresenta como ferramenta de liberdade e emancipação.
Vencedor do prêmio de melhor fotografia do XIX Fantaspoa, onde fez sua premiére latino-americana, A Balada de Piargy é um espetáculo cinematográfico em preto e branco. Com belíssima montagem, o filme não apenas destaca uma vida dura e sem cor atrelada aos costumes do passado em pleno século XX, mas também denuncia o silêncio da maioria enquanto uma minoria é oprimida. Nesse sentido, são gritantes os planos gerais que exibem as casinhas da pequena Piargy iluminadas à noite, na vastidão das montanhas e na quietude que esconde seus horrores. Suas janelas brilhantes no breu da madrugada aparecem sempre em duplas, como se fossem os olhos refletores de animais assustados, acompanhando tudo o que acontece em silêncio, sem intervir.
Comments