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danilofantinel

SOB A PELE

A supremacia da imagem sobre a narrativa fílmica é uma prática comum no cinema atual levando em conta o número de argumentos porosos que chegam ao circuito comercial. Para maquiar a fragilidade dos discursos, a produção industrial privilegia a experiência imagética e deixa em segundo plano enredos pouco inspirados. Porém, certa obras redimensionam o uso da imagem e sua relação com roteiros em movimento contrário ao fluxo tradicional. Assim, restabelecem o poder criativo visual mesmo sobre tramas hermeticamente tecidas. Em Sob a Pele, as imagens se sobrepõem à narrativa textual. Articulam um discurso em nível diverso daquele excessivamente ligado à palavra. Porém, não com o objetivo de mascarar seu teor, mas para moldar a própria narração, que para ser construída em sua totalidade depende da participação efetiva do público.

Esta consonância entre imagem, conteúdo e leitura é o que move o artsy thriller de Jonathan Glazer. Distante dos acontecimentos megalomaníacos, dos artifícios espetaculares, das especificações pseudocientíficas e das reviravoltas atribuladas que costumam marcar o cinema de ficção científica, Sob a Pele posiciona-se mais como um drama fantástico sobre autoconhecimento do que como uma aventura sci-fi sobre alienígenas. Sem se ater a explicações desnecessárias, o real motivo da presença de extraterrestres no planeta não é claramente abordado pelo longa, sendo essa apenas uma das lacunas que convidam o espectador a preenchê-las como lhe convier. Neste sentido, está a anos-luz das produções do cinema-pipoca, nos quais tudo é dado e nada é sugerido.

No longa escrito por Glazer em parceria com Walter Campbell com base no livro de Michel Faber, pelo contrário, tudo é sugestão. Da forma como a personagem sem nome interpretada por Scarlett Johansson chega à Terra, passando pelas razões de sua visita e chegando ao motivo de suas ações na Escócia, onde a história se desenrola, pouco é esclarecido e muito fica subentendido. As soluções de roteiro e direção, baseadas em poucas falas, planos estáticos, sequências contemplativas, estética arrojada, abstrações imagéticas, silêncios e ruídos profundos, além do misterioso comportamento dos personagens, dão indicativos, mas nem sempre são definitivos para compor um todo. Este se completa apenas ao ser compartilhado pela plateia. Assim, o filme aposta na inteligência do público e em sua vivência cinematográfica ficcional para tomar forma, se colocando contra a absorção apática da história em nome da liberdade de leitura e imaginação criativa do espectador.


É o público que precisa explicar por conta própria o motivo de a personagem principal, aparentemente sem emoções, compor uma personalidade sedutora para vitimar apenas homens em sua caça constante e sexualmente orientada. É também ele que precisará desvendar o projeto, as motivações e o curioso modus operandi alienígena em solo terrestre. Da mesma forma, é o espectador que deverá compreender as relações entre aliens e humanos e também o que leva o (a?) alienígena a mudar de atitude repentinamente, de modo a renegar suas tarefas pré-determinadas ao tentar entender suas função e corporalidade em um mundo que não é seu. Em última análise, será o público que avaliará até que ponto Sob a Pele está se referindo a uma ou outra espécie.

Boa parte da leitura do filme pelas audiências, importante notar, se dará pela interpretação madura de Scarlett Johansson, que focaliza muito de sua atuação na visualidade de uma personagem marcada pelo silêncio, algo diametralmente oposto ao seu trabalho em Ela (2013), centrado no poder do texto aliado a sua completa invisibilidade. Nos dois modos de atuação, porém, a atriz exibe sua capacidade de mimetização do humano a partir de bases inumanas – um sistema operacional no longa de Spike Jonze, um extraterrestre na produção de Glazer. Brilhantemente dirigido, podendo se tornar um clássico, Sob a Pele está muito além dos filmes de ficção científica tradicionais, e propõe o mesmo que grandes obras do gênero fazem: um interessante exame sobre a condição do homem.


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