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Rambo II: A Missão

Entre filmes de ação, os longas sobre militares dissidentes costumam destituir da figura do soldado sua conduta oficial: em vez de acatar ordens e cumprir missões, o combatente rebelado se opõe ao comando, dando início a uma guerra particular. Isso ocorre com John Rambo (Sylvester Stallone) em Rambo: programado para matar (1982), quando, anos após voltar da Guerra do Vietnã, acaba sendo expulso de uma pequena cidade montanhosa dos Estados Unidos por um xerife avesso a forasteiros. Para se vingar do mau tratamento dado por autoridades de seu próprio país a um veterano de guerra como ele, Rambo, em crise pós-traumática, aplica táticas especiais para matar um punhado de policiais e destruir meio vilarejo. O resultado para ele é catarse pessoal e prisão de segurança máxima. Já em Rambo II: A Missão, sua rebelião é ainda mais intensa, o alvo, mais poderoso, e a artilharia, muito mais pesada.

No filme com roteiro de Stallone e James Cameron, Rambo ganha a liberdade com a condição de executar um plano para o governo norte-americano em plena Guerra Fria: voltar ao Vietnã apenas para comprovar a existência de prisioneiros de guerra dos EUA abandonados à morte em campos de concentração vietcongues financiados por russos. Rambo não deve salvá-los, o que seria feito depois. A esta altura, ainda não se sabe por que a Casa Branca libertaria um soldado incontrolável como Rambo para verificar um erro cometido pelo próprio governo dez anos antes. Também não é claro o motivo pelo qual ele receberá o perdão presidencial pelos crimes cometidos no primeiro filme. No entanto, é perceptível o cheiro de queima de arquivo em uma viagem sem volta.


Viciado em combate, o veterano aceita retornar à selva, cenário de seus piores pesadelos, para escapar do presídio. Afinal, como diz seu único amigo, o coronel Trautman (Richard Crenna), Rambo é uma “máquina de guerra que chama o inferno de casa”. O personagem é mesmo casca grossa. Pior. Em suas próprias palavras ele é um “expendable”, espécie de mercador da morte descartável, um assassino dispensável caso venha a morrer em alguma guerra suja, assim como também é Barney Ross, personagem de Stallone na saga Os Mercenários – cujo título original é justamente The Expendables.


De fato, Rambo surge mortífero na floresta tropical, porém sua raiva assassina desperta de forma incontrolável apenas quando, novamente, se vê traído pelo comando. Sozinho na selva, onde o governo dos EUA gostaria que ele ficasse para sempre, Rambo entende o porquê de ter sido convocado para uma missão suicida. Furioso, dizimará pelotões vietcongues e um esquadrão russo, salvará todos os prisioneiros yankees, destruirá o campo de presos com um helicóptero roubado e voltará à base norte-americana para acertar as contas com quem o deixou na mão na hora H.


Neste percurso, Rambo não só vencerá sozinho sua guerra particular no Vietnã como também provocará megaexplosões que devem ter deixado o mais tóxico rastro de carbono da história do cinema. Tudo isso em nome de algo que norte-americanos prezam muito: o suposto direito de aniquilar tudo e todos que se oporem a sua autodeterminação – seja em solo pátrio, como no primeiro longa (ou nos tiroteios em escolas e sedes públicas dos EUA), seja em terras alheias, onde de fato não têm direito algum.


Rambo II: A Missão coloca em choque o ufanismo militar do soldado verdadeiramente patriota e os sentimentos do veterano de guerra que, traumatizado por conflitos, acaba sendo excluído socialmente, se tornando um pária possivelmente perigoso. Essa rachadura emocional que há em Rambo é um espelho da própria dualidade do arquétipo do herói, conteúdo imaginário complexo que trafega intensamente entre a glória e a tragédia – sendo esta última, muitas vezes, sua condição final. Rambo movimenta a imagem arquetípica heroica ao incorporar, por um lado, uma conduta ativa, virilizada, bélica e ascensional frente a suas angústias essenciais. Por outro lado, ativa o simbolismo heroico dúbio ao carregar em si uma fragilidade oriunda de incompletude, inquietude, incompreensão e hesitação.


Entretanto, a densa imagem do herói aparece em Rambo II: A Missão degradada em personagem cinematográfico de baixa pregnância, culpa de um roteiro que sucumbe ao maniqueísmo pragmatista. Para seguir modelos de produção hollywoodiana, requisitar o mínimo de esforço do público e garantir o entretenimento testosterônico das plateias, a complexidade imaginária do herói movido por Rambo acaba explodida por toneladas de TNT e soterrada por camadas de violência gráfica que não fazem mais do que glorificar o másculo soldado norte-americano em um mundo rachado pela Guerra Fria.


Apesar das motivações de Rambo terem alguma consistência política em sua origem, como a rebeldia dirigida a um governo visto como traidor de seus militares, Hollywood se interessa mais pelos resultados explosivos do comportamento intervencionista do personagem principal em solo estrangeiro. Com isso, reduz o filme a um bangue-bangue de guerra em que a supremacia militar e os teores nacional-imperialistas norte-americanos se destacam entre ghost-direction, montagem frouxa, trilha sonora excessiva e atuações pífias.


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