Os personagens de O Guerreiro Silencioso estão perdidos. A sensação de que qualquer um deles terá salvação é quase nula desde o início do filme, quando um grupo de britânicos pagãos nômades viaja entre montanhas frias e úmidas do Norte, por volta de 1000 d.C., parando apenas para seu escravo, o guerreiro em questão, duelar acorrentado em lutas de aposta. Um fim terrível não seria novidade para eles, nem para os vikings protagonistas da história, que buscam o lugar certo, mas encontram o errado. Na trama de Nicolas Winding Refn e Roy Jacobsen, a morte trágica dos sujeitos condiz com a vida truculenta de cada um deles e com sua crença no inexplicável.
One eye (Mads Mikkelsen), o gladiador escravizado, não fala e também não expressa os sentimentos que o consomem. Convulsionado, encerra em si mesmo uma violência que explode pontualmente como reação natural a um mundo naturalmente violento. Usando-a, consegue se libertar e matar seus captores, mantendo vivo apenas o garoto (Maarten Stevenson) que o alimentava enquanto preso e que lhe garantia algum teor humano residual frente a um embrutecimento aterrador.
No entanto, essa perda do que seria a humanidade do guerreiro só faz sentido para o homem contemporâneo. No contexto das sociedades arcaicas e medievais, as relações sociais não seguiam as regras compartilhadas atualmente. A violência extrema era uma conduta cultural regular. Ainda assim, é curioso perceber que o bruto guerreiro de um olho só, agente cruel desumanizado em um mundo cego pela violência, tenha o dom da visão. Sensitivo e silencioso, caolho como o sábio Odin, One Eye observa relances de um futuro pouco promissor que se confirma gradativamente no trajeto que ele e o garoto decidem percorrer ao lado de vikings cristãos fanáticos – guerreiros nórdicos convertidos pela palavra da Bíblia, que seguem em direção a Jerusalém para lutar com cruz e espada na conquista da Terra Santa.
Na viagem por mar até a Cidade Sagrada, o vento cessa, a neblina adensa, os viajantes do barco se perdem por semanas e a paranoia toma conta de todos. Com a morte à espreita, simbolicamente movimentada tanto por uma imagem obscura à bordo quanto pelas valorizações negativas das águas paradas, profundas, enigmáticas ou vaporosas, os vikings chegam às terras nunca vistas da América do Norte. Diferente da paisagem do Oriente Médio e similar a sua terra natal, este local desconhecido e estranhamente familiar será o ponto em que o inferno previsto por One Eye tocará a realidade, dando espaço ao caos estimulado pelo radicalismo da fé.
Sétimo título da contundente filmografia de Refn, O Guerreiro Silencioso coloca One Eye na galeria de personagem fragmentados e propensos à violência extrema apresentados pelo cineasta. Porém, diferentemente da agressividade contemporânea da trilogia Pusher (1996, 2004, 2005) e dos filmes Bronson (2008), Drive (2011) ou Apenas Deus Perdoa (2013), neste longa Refn se volta à mítica Idade Média povoada por nórdicos e assombrada pelo dogma, registrando em belíssima fotografia a vastidão da natureza ancestral e apontando as raízes antropológicas da ideia de crença religiosa como instrumento bélico.
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