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danilofantinel

NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA

Se relacionamentos são meio descompassados hoje, eram igualmente conturbados nos anos 1970. E são justamente os encontros e desencontros amorosos na Nova York de fins do século XX que marcam a vida afetiva instável de Alvy Singer, comediante vivido por Woody Allen em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977). Entre piadas e discursos endereçados diretamente ao público, por contato direto do personagem com a câmera, o autor fixa em palavras e imagens as dificuldades da vida a dois, marcada por movimentos pendulares de entrega e resgate, comunhão e partilha.

Alvy já passou por dois casamentos que não deram certo. Solteiro, procura uma nova mulher enquanto tenta entender o que deu errado no passado. O público testemunha seus descaminhos tragicômicos por meio de transições temporais e de flashbacks que ilustram como nós podemos transformar nossas vidas em ruínas quando fingimos que realmente nos importamos com o próximo, e quando tentamos esquecer que boa parte dos relacionamentos em que estamos inseridos simplesmente atende aos nossos anseios mais egoístas.


Talvez por isso seja compreensível – e sintomático – o fato de Alvy, pouco após conhecer Annie Hall (Diane Keaton), uma avoada cantora em início de carreira, ter decidido que encontrou seu novo amor. Ele mal a conhece, mas já a destaca como parte essencial de sua vida.


Certamente, Alvy e Annie sentem-se à vontade um com o outro, em uma sintonia quase palpável. Contudo, sua aproximação é esquemática, quase cartesiana. Não segue os ditames inconsequentes da paixão, mas as regras formais da razão. O primeiro beijo surge de um cálculo cerebral, e não do impulso emocional comum aos apaixonados. Alvy sugere beijar Annie rapidamente na rua após um espetáculo, tanto para evitar um constrangimento maior posterior, na casa de um deles, como para “digerir melhor o jantar” que está por vir.


Assim, entre o atribulado e o programado, forma-se o casal. Curiosamente, o nome Annie Hall soa como a expressão “anyhow”, que poderia ser traduzida como "de qualquer maneira", "casualmente", "descuidadamente" ou "a qualquer preço". De fato, é de forma desajeitada que Alvy e Annie decidem ficar juntos.

A visão racionalista e paranoica do mundo é uma constante para Alvy, que ainda criança entrou em depressão ao ficar sabendo que o universo está em expansão. Para o garoto, qual o sentido em continuar vivendo, ir à escola e seguir fazendo deveres de casa se, um dia, o cosmo estará tão expandido a ponto de se desintegrar?


Seu psicólogo diz, entre risos, que o menino deve esquecer pensamentos aflitivos e viver a vida da melhor forma possível – e, se possível, alegremente. Com a obrigação da felicidade imposta, disfarçada de bom conselho, o psicólogo apenas amplia os conflitos pessoais do garoto, que cresce neurótico, pouco confiante, sarcasticamente hostil, niilista ao extremo e incapaz de ver o lado bom (alegre...) da vida.


Alvy diverte Annie com sua ótica negativista, como quando explica que para ele a existência divide-se entre o horrível (o mundo dos enfermos) e o miserável (o lugar de todos os outros). Porém, seu humor ácido frequente, seu existencialismo angustiante e sua percepção pessimista sobre tudo pesam de forma incontestável sobre o namoro. Frequentemente, o personagem perde-se em suas próprias incongruências e dubiedades, como quando estimula a namorada a voltar a estudar e a desenvolver o canto ao mesmo tempo em que a reprime por desenvolver novas amizades acadêmicas e por manter relações com a esfera artística de Los Angeles.


Sem perceber, Alvy implode seu novo amor e nos faz ver que nosso egoísmo, oriundo da necessidade narcísica de satisfação pessoal, provavelmente coloca em risco nossa própria felicidade. Sabemos lidar com o outro? Oferecer o mundo ao outro resistindo à tentação de roubá-lo em seguida? Levando-se em conta o caso de Alvy, parece que não. E não à toa, o comediante triste termina o filme da mesma forma como começou: sozinho.

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