O amor sob o signo da guerra tende a ser redentor se florescer entre os escombros do conflito, possibilitando uma salvação temporária para os que dele compartilham. Porém, quando se torna uma relação impossível, apesar do desejo, pode assumir uma dimensão oposta, aprisionando os amantes em um calabouço emotivo de onde é difícil escapar. É neste segundo aspecto que transita a personagem sem nome de Hiroshima Meu Amor, de Alain Resnais.
Sem esquecer o terror provocado pela política homicida de homens que exageraram na força contra o inimigo em 1945 – ou que simplesmente se valeram da brutalidade para exibir seu poderio nuclear genocida –, o cineasta elabora um filme poético sobre a tragédia da insustentabilidade do amor e da impermanência de seu esquecimento tendo como contexto o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e as consequências do conflito no Japão. Para a roteirista Marguerite Duras e para Resnais, o amor impossível é tão inesquecível quanto o horror belicista.
Na primeira parte do filme, o diretor alterna as imagens de corpos nus de dois amantes com as imagens de corpos nus de vítimas mutiladas pela bomba que destruiu Hiroshima. No diálogo entre o casal que acaba de se conhecer na cidade japonesa, mais de uma década após o ataque norte-americano, a atriz francesa (Emmanuelle Riva) revela que viu pela imprensa a explosão em Hiroshima quando estava em Paris, relata seu pesar sobre o ocorrido e declara que jamais esquecerá o que houve. O arquiteto japonês (Eiji Okada) rebate pontualmente cada afirmação, apontando que ela não viu nada, não sentiu nada e não esquecerá nada, pois apenas idealizou estas sensações.
Para ele, a francesa seria incapaz de se relacionar com a tragédia de forma verdadeira. Sua memória não é fruto da vivência do fato, mas sim uma simulação construída a partir de representações sobre o que houve, a partir de notícias e imagens muito distantes da realidade experimentada. Dessa forma, seria impossível esquecer o que não viveu. Já para ela, o japonês não percebe que, assim como no amor, em que um amante nunca esquece o outro após uma relação construída (mesmo que impossível), sua vivência do ataque nuclear a Hiroshima foi real. Deste modo, nunca poderia esquecer a explosão.
Após esse prelúdio sobre experiências vividas, memórias construídas e produção de sentidos por meio de imagens de guerra, sobre o que Susan Sontag trataria muitos anos depois em Diante da Dor dos Outros, ficamos sabendo mais sobre os personagens do longa. Casados, a atriz francesa roda um filme sobre a paz, em Hiroshima, quando conhece o arquiteto japonês, afastado da esposa que está em viagem. Apaixonados, vivenciam uma entrega apaixonada com hora marcada para acabar – momento em que ela retornará a Paris.
Aos poucos, o discurso político cede espaço à narrativa do sofrimento do novo casal, cada vez mais melancólico devido ao tempo partilhado que se esgota. Tristes pela incompatibilidade, a francesa explica que seu grande amor não é seu atual marido nem mesmo o japonês, mas um soldado alemão (Bernard Fresson) que conheceu na ocupação nazista na França 16 anos antes. Durante a revelação, conta sua história ao japonês como se ele fosse o próprio alemão, em um jogo de duplicidade que lhe permite ser sincera pela primeira vez e, novamente, relembrar seu amour impossible.
Tida pela família e pela sociedade como traidora, a jovem atriz é presa pelo pai em um porão durante dois anos, após a morte do soldado. Liberada para morar em Paris, bem distante da comunidade opressora de sua Nevers natal, a francesa chega à capital no mesmo dia em que Hiroshima é atacada. Intercalando passado e presente, o filme fecha um ciclo vivo entre personagens, cidades e momentos históricos.
A partir dos percalços da impetuosa francesa, Duras e Resnais estruturam um filme lírico sobre amor e guerra, duas das principais fundações do comportamento humano, adicionando a eles o embate de outros dois elementos essenciais para nossa própria história: a necessidade da memória contra o perigo do esquecimento. Seja no amor ou na guerra.
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